O Presidente da República de França reúne-se esta terça-feira em Paris com dezenas de líderes africanos para debater o relançamento do crescimento, apostando no envolvimento dos parceiros internacionais e na criação de um pacote de “apoio massivo” às economias.
“A cimeira pretende aprofundar duas linhas de ajuda: a criação de um pacote massivo de apoio para o continente africano, para superar o choque da pandemia e, por outro lado, lançar as bases para um novo ciclo de crescimento que beneficiará os povos africanos, mas que pode ser também um motor de crescimento para toda a economia mundial”, disse uma fonte do Eliseu, no lançamento da cimeira.
A Cimeira sobre o Financiamento das Economias Africanas, promovida por Emmanuel Macron, acontece um dia depois de a França ter anunciado o perdão da dívida de mais de 4 mil milhões de euros ao Sudão, e surge na sequência da divulgação de um pedido de apoio dos líderes africanos, em 15 de Abril de 2020, no Financial Times e no Jeune Afrique, afectados não só pelo impacto da pandemia na saúde, mas também na economia, que viu as debilidades já existentes agravadas pelas medidas de restrição necessárias para impedir a propagação do vírus.
Na iniciativa participam dezenas de presidentes de nações africanas, entre os quais estão os lusófonos Angola e Moçambique, líderes do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Africano de Desenvolvimento, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas, União Europeia e União Africana, o primeiro-ministro português, António Costa, e os da Espanha e Itália, entre outros.
Apesar de o continente ter registado um número relativamente baixo de óbitos, cerca de 130 mil, o equivalente às mortes no Reino Unido, por exemplo, os responsáveis do Eliseu, residência oficial do Presidente da República de França, salientam principalmente o efeito na economia e, consequentemente, na vida das pessoas, cujo rendimento “per capita” só deverá voltar aos níveis anteriores à pandemia em 2023 ou 2024.
“Temos muito receio do risco de divergência entre as economias africanas, e entre estas e as economias desenvolvidas”, afirmou um dos responsáveis, na linha da directora executiva do FMI, quando disse recear que uma das consequências da pandemia, além do “grande confinamento”, fosse “uma grande divergência” entre África e o resto do mundo em termos de relançamento do crescimento económico.
O continente já recebeu avultadas verbas para combater a pandemia e relançar o crescimento, mas as necessidades de financiamento são significativamente maiores do que as ajudas recebidas.
“O FMI estima que os países africanos tenham necessidades de financiamento equivalentes a 450 mil milhões de dólares (370 mil milhões de euros) até 2025, daí a ideia de aumentar de forma massiva a ajuda de emergência a África”, que sofreu o mesmo que os outros países, mas não tem os instrumentos financeiros que os países mais desenvolvidos colocaram à disposição das suas economias.
O Banco Central Europeu, por exemplo, disponibilizou 750 mil milhões de euros em estímulos à economia da região, enquanto os Estados Unidos da América aprovaram um pacote de ajuda no valor de 2 biliões de dólares (1,65 biliões de euros), o maior de sempre, o que contrasta com a fraca capacidade financeira dos países africanos.
O FMI vai emitir 650 mil milhões de dólares, cerca de 550 mil milhões de euros, em Direitos Especiais de Saque (DES), que serão depois distribuídos pelos membros em função das quotas, o que dará 34 mil milhões de dólares (28 mil milhões de euros) para África, dos quais 23 mil milhões de dólares (19 mil milhões de euros) estão reservados para a África subsaariana.
A França vai propor que o Fundo Monetário Internacional (FMI) venda parte das suas reservas de ouro e aumente o volume dos fundos destinados à recuperação económica das economias mais vulneráveis, particularmente na África subsaariana.
Em declarações aos jornalistas nas vésperas da Cimeira sobre o Financiamento das Economias Africanas, os conselheiros do Presidente francês vincaram que a venda de ouro será uma das ideias que Macron apresentará.
“Um dos pontos que estamos a tentar pressionar é pensar na ideia de falar sobre vendas de ouro do FMI, o que aumentaria a confiança do mercado e permitiria empréstimos com juros perto do zero para os países africanos”, disse um dos conselheiros de Macron para África.
Salientando que “certamente não haverá uma decisão sobre esta matéria já na terça-feira”, o responsável salientou que “a ideia é colocar o tema em cima da mesa para dizer que os Direitos Especiais de Saque (DES) devem ser utilizados principalmente pelos países de baixos rendimentos, nomeadamente os africanos”.
O aumento da capacidade financeiro do Fundo de Crescimento e Combate à Pobreza, um dos principais instrumentos financeiros do FMI para acudir às necessidades dos países mais vulneráveis, é outra das ideias que a França vai lançar no encontro de terça-feira.
“Há outras fórmulas possíveis, pode-se imaginar a criação de outros fundos dentro do FMI, podemos imaginar que os DES podem ser canalizados para instituições com o Banco Mundial ou o Banco Africano, e estamos em discussões com ambos sobre como poderiam, caso recebessem, fomentar os investimentos na saúde e na educação”, acrescentou a Presidência francesa.
Angola e o FMI
Quando o governo angolano solicitou o ajustamento do programa de apoio do Fundo Monetário Internacional, adicionando ao mesmo uma componente de financiamento, ficou nas mãos do FMI.
Em termos lusófonos, recorde-se, a história repetia-se e ninguém aprendeu a lição. Com o FMI a mandar, João Lourenço será uma espécie do ex-primeiro-ministro português, José Sócrates. E, com excepção da elite, os angolanos têm de se preparem para o teste final – mostrar que sabem sobreviver sem comer. Seremos nós capazes? Provavelmente sim. Experiência não nos falta.
No dia 11 de Janeiro de 2011 estava excluída a entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal. O então primeiro-ministro, José Sócrates, garantia que Portugal não precisava de ajuda financeira e que continuava a ter todas as condições para se financiar no mercado internacional. No dia seguinte o FMI entrou, de armas e bagagens, em Lisboa e tomou conta do país.
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”. João Lourenço não teve conhecimento desse aviso.
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
Em Portugal, na altura, admitia-se como provável que em vez de um novo desempregado a cada quatro minutos se conseguisse, com ou o acordo de resgate e fazendo fé nas promessas do governo de então, um desempregado a cada… três minutos.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é (em Portugal foi mesmo assim) os angolanos estão ainda mais lixados.
“A minha principal preocupação será com a Economia e como superarmos esta situação de crise que nos tem vindo a afectar. Vamos continuar a apoiar as empresas, tendo em vista a superação das dificuldades em tempo de crise”, diz João Lourenço, como disse Archer Mangueira, como diz Vera Daves.
O ministro das Finanças (seja ele quem for) defenderá o que o FMI mandar defender, ou seja, que Angola está numa situação “mais vantajosa” para reduzir o endividamento depois da crise, considerando que falta apenas melhorar a diversificação e a competitividade da economia.
“O aumento do endividamento é um problema que todos os países vão ter de enfrentar”, dirá agora Vera Daves (ou até mesmo João Lourenço), defendendo que “acabando a crise torna-se muito claro a necessidade de os países retomarem o mais rapidamente possível a estratégia de consolidação orçamental”.
Ou seja, afinal os angolanos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo do MPLA, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Porém, “uma coisa é certa: o facto de termos estes níveis de dívida vai exigir uma política que reforce o potencial de crescimento da economia”. Isso implicará, como sabiamente vai explicar Vera Daves, uma política económica “que aumente a competitividade e reforce o sector exportador.
Antecipando, como lhe compete, os cenários, o Governo dirá que a reacção no pós-crise “coloca na agenda um conjunto de políticas de valorização dos recursos humanos, melhoria de infra-estruturas e mais ciência”.
O que o FMI fez ao Zimbabué
Ao anunciar no dia 25 de Março de 2009 que a ajuda técnica e financeira ao governo do Zimbabué dependia da adopção de boas políticas económicas e do saldo da dívida externa, o Fundo Monetário Internacional veio apenas dizer que o povo ia continuar a morrer à fome.
“A ajuda técnica e financeira do FMI depende da adopção de um mecanismo de acompanhamento das políticas económicas, do apoio dos doadores e do saldo das dívidas aos credores oficiais, dos quais faz parte o FMI”, indicou a instituição internacional num comunicado depois de ter enviado uma missão ao Zimbabué.
No início dessa missão de duas semanas, o ministro da Economia zimbabueano, Elton Mangona, tinha anunciado que o FMI se tinha prontificado a ajudar “imediatamente” o novo governo de união.
Os países vizinhos do Zimbabué apelaram também ao FMI para apoiar Harare, antes da cimeira da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) para examinar os meios para ajudar financeiramente este país membro.
No comunicado, o FMI saudou as primeiras medidas tomadas pelo então novo governo. A decisão de autorizar as transacções comerciais em divisas estrangeiras permitiu, segundo o FMI, travar a inflação e reforçar o plano de relançamento apresentado pelo governo.
No entanto, o FMI sublinhou que “um forte declínio das actividades económicas e dos serviços públicos contribuiu fortemente para a deterioração da situação humanitária”.
A grande maioria do povo zimbabueano lutava por sobreviver num país com a economia em ruínas, confrontado com a escassez de alimentos e uma taxa de inflação de 231 milhões por cento. Mais de 80 por cento da sua população estava desempregada.
Recorde-se que, como medida macroeconómica de vastíssimo alcance e que deveria constituir um exemplo para o Mundo que se dizia estar a atravessar uma grave crise financeira, o então governo de Robert Mugabe lançou na época a nota de 100 mil milhões de dólares… zimbabueanos.
Assim, mesmo que tivesse uma das novas notas no bolso, qualquer cidadão do povo (sim do povo, que os da gamela usam, apesar da crise mundial, dólares) não conseguiria comprar três ovos. É que cada ovo custava, 35 mil milhões…
Folha 8 com Lusa